Sono: benefícios para a saúde e perigos da privação comprovados pela ciência

 




Sono: benefícios para a saúde e perigos da privação comprovados pela ciência

Dormir não é um acto passivo de “desligar o interruptor”, mas um processo biológico essencial, com implicações amplas na nossa saúde física, mental, cognitiva e emocional. A qualidade e quantidade do sono influenciam quase todos os sistemas do corpo, e a privação, ou sono de má qualidade, desencadeia uma série de efeitos adversos que, em muitos casos, se acumulam com o tempo.

Benefícios do sono saudável

Desde logo, o sono permite que o organismo recupere e regenere. Durante as fases profundas do sono ocorrem reparações celulares, produção de proteínas importantes para regeneração de tecidos, fortalecimento muscular, e reforço do sistema imunitário. 

Também está implicado no controlo metabólico: hormonas como a leptina (que diminui o apetite) e a grelina (que o estimula) são reguladas pelo sono. Quando dormimos o suficiente, o equilíbrio entre elas ajuda a manter um peso saudável, favorece bom funcionamento do metabolismo e diminui o risco de obesidade ou de resistência à insulina. 

Do ponto de vista cardiovascular, dormir bem ajuda a manter a pressão arterial sob controlo, permite que o coração e os vasos “descansem” durante a noite, reduz inflamação, favorece a regeneração de tecidos vasculares, e diminui risco de doenças como hipertensão, enfarte e AVC. 

No cérebro, o sono está envolvido na consolidação da memória, no processamento de aprendizagem, no desempenho cognitivo (atenção, raciocínio, criatividade) e na regulação emocional. Há evidência de que durante o sono ocorrem ligações neurais que “organizem” a informação que adquirimos durante o dia, eliminam resíduos metabólicos do cérebro, e permitem que acordemos com um cérebro mais preparado. 

Além disso, qualidade de vida, humor e bem-estar emocional melhoram com sono adequado: maior estabilidade do humor, menor irritabilidade, menos ansiedade, melhor capacidade de lidar com stress. 

Até ao envelhecimento cerebral: estudos apontam que insónia crónica ou privação prolongada de sono pode acelerar processos associados a declínio cognitivo ou aumentar risco de demência. 

Consequências de não dormir o suficiente

Quando o sono é insuficiente ou fragmentado, os efeitos adversos começam logo no curto prazo, mas muitos persistem ou agravam-se com o tempo.

No imediato, já com uma ou poucas noites de sono pobre surgem sintomas como:

  • fadiga acentuada, dificuldade em manter atenção, lapsos de memória, reflexos mais lentos; 

  • alterações de humor: irritabilidade, ansiedade, tristeza; dificuldade em regular emoções; 

  • maior propensão a cometer erros, acidentes, lapsos de concentração; conduzir com sono ou operar máquinas com risco; 

Se a privação for crónica ou se repetir frequentemente:

  • aumento do risco de doenças metabólicas: obesidade, resistência à insulina, diabetes tipo II; 

  • risco cardiovascular elevado: hipertensão, doenças cardíacas, AVC; persistente ativação do sistema de stress e inflamação; 

  • comprometimento cognitivo duradouro: memória (tanto a curto prazo como, em alguns estudos, memória espacial ou dependente do hipocampo), capacidade de aprendizagem reduzida, menor desempenho mental. Há evidências em modelos animais de que restrições de sono na adolescência têm consequências no meio e longo prazo, mesmo depois de restauro do sono. 

  • impacto no sistema imunitário: menos capacidade de combater infecções, resposta imune enfraquecida; 

  • efeitos hormonais: desequilíbrios hormonais (hormona do crescimento, cortisol, hormonas tiroideias, etc.), o que pode afectar crescimento, reparação muscular e outros processos fisiológicos; 

  • doenças psicológicas: depressão, ansiedade, distúrbios de humor, possivelmente distúrbios mais graves se a privação persistir; 

Além disso, há fenómenos menos visíveis mas importantes: o sono insuficiente ou de má qualidade altera regulação metabólica, aumenta inflamação sistémica; estudos em ratos mostraram que várias regiões do hipotálamo ficam alteradas após privação de sono, e essas alterações podem demorar tempo a recuperar. 

Outro efeito preocupante: a acumulação do défice de sono (“sleep debt”) não é esquecida com apenas uma boa noite de recuperação; os efeitos cumulativos podem persistir. Um estudo com adultos em restrição de sono ao longo de vários dias mostrou que mesmo após uma noite de “recuperação parcial” o desempenho neurológico/cognitivo continuava afetado. 

Também há evidência de que o sono interrompido (vários despertares) é quase tão prejudicial como pouco sono contínuo: fragmentação do sono compromete igualmente a capacidade de recuperação fisiológica e mental.

Quanto tempo de sono é necessário?

Não existe um número mágico único para todos, mas organismos internacionais recomendam para adultos saudáveis cerca de 7-9 horas por noite, com variações individuais. Dormir menos do que isso com frequência costuma estar associado aos efeitos adversos acima. Dormir muito em demasia também pode trazer riscos (sintomas de disfunção), embora menos estudados. Para além do número de horas, é importante a hora a que se adormece. Sonos que iniciam antes da meia noite têm tendência a serem sonos com capacidade de recuperação e reparação, enquanto que adormecer depois dessa hora, perdem-se os efeitos benéficos do sono. Tente adormecer antes das 22h.

Conclusão

O sono é um pilar fundamental da saúde. Não dormir o suficiente ou dormir mal regularmente acarreta consequências que vão muito além do cansaço ou do mau humor: afetam o metabolismo, o sistema cardiovascular, o sistema imunitário, a cognição, a saúde mental e a longevidade. Cultivar hábitos de sono saudáveis — estabelecer horários regulares, ambiente propício ao descanso, evitar estimulantes perto da hora de dormir, reduzir luzes fortes ou ecrãs — é tão importante quanto alimentar-se bem ou fazer exercício.


Referências

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