Como falar da morte às crianças?




Como falar da morte às crianças?


Este é um dos maiores desafios que a psicologia moderna enfrenta, e não poucas vezes psicólogos clínicos são deslocados para zonas de grandes acidentes e traumatismos para levar alguma ajuda às crianças afectadas; no dia-a-dia da sua actividade. Também são confrontados nos seus gabinetes por crianças profundamente atingidas pela perda de um ente querido, animal de estimação, amigo ou colega da escola.

 

A interiorização

A reacção da criança à morte depende do que ela vivencia ou já vivenciou em termos de perda e se esta foi acidental, previsível ou resultado de um desastre inesperado. Se um amigo ou familiar foi morto ou muito magoado, ou se a escola ou a casa da criança foram seriamente danificadas, haverá grande probabilidade de a criança experienciar sérias dificuldades existenciais. Após um acidente traumático em que a criança viu ou continua a ver perder vidas, pode desenvolver a Desordem de Stress Pós-traumático cujos danos psicológicos resultam da vivência, do testemunho e da visualização de um evento traumatizante. Esta desordem psicológica raramente se revela logo após o trauma.

Frequentemente, os sintomas ocorrem alguns meses ou anos mais tarde e a criança poderá ver-se incapacitada de viver saudavelmente, caso não venha a beneficiar do apoio correto. É por isso que importa estar alerta e aprender a compreender as reacções e comportamento das crianças, de modo a poder apoiá-las devidamente.

Este apoio nem sempre pode ser profissional e, por isso, importa refletir sobre a ajuda que pais, familiares, professores e todos aqueles que lidam com maior proximidade com uma criança podem trazer para a ajudar a lidar com este acontecimento.

Há algumas décadas, nascer e morrer eram acontecimentos familiares vivenciados em casa. As crianças assistiam de perto às reacções de alegria, de perda, de luto dos adultos e integravam estes sentimentos que pareciam naturais, inevitáveis. Nascia-se e morria-se em casa. Hoje, as coisas mudaram: nasce-se e morre-se num hospital, quantas vezes de uma forma solitária, profissional e asséptica. Devíamos preocupar-nos com o que acontece às crianças quando vivenciam a experiência da perda e do luto. Uma das formas mais comuns que as crianças têm para desenvolver a sua capacidade de lidar com estas duas realidades é através da sua própria experiência quando perdem alguém que é significativo e próximo, um dos pais, um parente, um amigo.

 

Fases do desenvolvimento da compreensão da perda

Para desenvolver uma atitude correta de apoio perante a perda, é importante considerar a idade, personalidade e estádio de desenvolvimento da criança. Crianças com oito anos podem ter uma maturidade emocional de onze anos, e outra de oito anos poderá emocionalmente estar equiparada a uma de cinco anos. A maneira como se fala da morte a uma criança depende da sua capacidade para perceber factos relacionados com a situação. As crianças estão atentas às reacções dos adultos. A forma como estes reagem à informação da morte e da tragédia é significativa para elas.


A Idade e as Reacções

Antes dos 3 anos: Percebem que os adultos estão tristes, mas não têm uma compreensão do significado da morte.

Em idade pré-escolar: Podem negar a morte e vê-la como um acontecimento reversível. Interpretam a morte como uma separação, mas não como um corte definitivo.

Dos 5 aos 9 anos: Começam a compreender a realidade da morte. Começam a perceber que certas circunstâncias podem resultar em morte. No entanto, nesta altura, a morte é percepcionada como algo que acontece aos outros, não à própria criança nem à família.

Dos 9 aos 12 anos: Necessitam de saber com confiança que todas as pessoas põem questões acerca da dor e da morte. Muitas vezes é difícil para todos compreender porque é que as coisas acontecem assim.

Adolescentes: Embora os adolescentes compreendam que todas as pessoas acabarão por morrer, estes estão a desenvolver a sua própria identidade e autonomia, podendo sentir-se ameaçados pela perda. Muitos adolescentes sentem que devem agir como adultos e escondem emoções e sentimentos, pois receiam perder o seu auto-controlo. Mas eles necessitam de encontrar um lugar seguro para partilhar a sua tristeza. Sentem-se nesta idade mais confortáveis junto dos seus companheiros de idade, dos seus pares, e podem encontrar neles um grupo de apoio importante.

O ponto fulcral é a empatia, a capacidade para entrar no self (no interior, na identidade) da criança ou do adolescente e perceber os seus sentimentos, aceitando-os sem nunca criticar.

 

A criança e o processo de luto

As pessoas que têm o papel mais importante no processo da compreensão da perda e da morte nas crianças são os seus pais. As crianças aprendem dos seus pais o que é a morte e como a ela reagir. Por isso, este é um assunto que os pais não deveriam delegar em outros para ajudar os seus filhos. A definição do luto é determinada pela forma como os pais lidam eles próprios com esta situação. Alguns pais pensam que a criança não percebe, ficam ansiosos quando os filhos lhes fazem perguntas. Isso pode levar a uma confusão imensa na mente das crianças e a concluir que os crescidos não gostam de falar da morte. Eis algumas das expressões ou comportamentos das crianças nesta situação.

 

Expressões patológicas no processo de luto

 Alguns sinais de patologia no processo de luto podem conduzir os adultos no auxílio a prestar às crianças. As crianças que têm sérios problemas neste processo podem mostrar um ou vários destes sinais:

 - Um período extenso de depressão no qual perde o interesse por atividades e acontecimentos da vida diária;

- Incapacidade de dormir, perda de apetite, medo prolongado de estar sozinha, voltar a urinar na cama, chuchar no dedo, apegar-se a um brinquedo ou peluche, etc.

- Agir como uma criança mais nova, demonstrando imaturidade por um longo período;

- Imitar excessivamente a pessoa que morreu;

- Repetir frases que reflitam a vontade de se juntar à pessoa perdida;

- Afastar-se dos amigos;

- Diminuição do rendimento escolar ou recusa em voltar para a escola.

Estes sinais de alerta indicam que é necessária ajuda especializada. A tendência seria recorrer a uma psicoterapia realizada por um terapeuta especialista em crianças, o que poderá ajudar a criança a aceitar a morte e auxiliará os que lhe são próximos a ajudar a criança durante o processo de luto. No entanto, enfatizamos o papel que outros adultos poderão desempenhar nesta circunstância, se se prepararem convenientemente e forem motivados por uma empatia carinhosa.

Preparar uma criança para a perda de alguém deve fazer parte da vida de todos os dias e ajudará a criança a aceitá-la melhor como um processo natural. Flores que secam e morrem, um animal de estimação que adoece e morre podem providenciar uma oportunidade para falar à criança desta inevitabilidade.

É possível falar à criança das pessoas mais idosas que ela conhece, do seu processo de envelhecimento e morte. Podem encontrar-se alguns livros que facilitam este diálogo, que se forem lidos em conjunto permitirão abordar com a criança os sentimentos que desenvolve sobre o assunto.

Quando a morte acontece numa família, os pais e outros familiares, por vezes, não encontram palavras para explicar às crianças e ajudá-las deste modo a lidar com o acontecimento. Contudo, as crianças necessitam dos adultos para as ajudar a lidar com a morte. Então, como explicar a morte às crianças?

 - Fale com palavras simples;

- Seja verdadeiro;

- Não hesite em usar palavras como "morto" e "morte".

Encoraje a criança nas suas perguntas: "O que é a morte?". Pode responder-lhe: "Morte significa que o corpo parou de trabalhar e não consegue fazer nada do que fazia antes: não fala, não vê, não ouve, não pensa, não sofre, não sente nada".

Dependerá das convicções religiosas de cada família, mas esta é uma altura importante para confrontar corretamente a criança com as suas bases existenciais (da família ou da sua cultura). É, no entanto, FUNDAMENTAL QUE ESSAS CONVICÇÕES AJUDEM A RESOLVER O PROBLEMA E NÃO A COMPLICÁ-LO AINDA MAIS. Por exemplo, para os cristãos, uma das mais poderosas ajudas que pode ser dada neste âmbito a uma criança é tranquilizá-la, informando-a do facto de que a pessoa morta está a "dormir" e que um dia irá acordar. Mostrar-lhe a naturalidade do "sono" e ajudá-la com uma das promessas da Bíblia – que aponta para Jesus como o autor da ressurreição quando Ele voltar – trará tranquilidade perante a condição mortal da humanidade. É altura para ler com a criança a história da vida de Jesus, e do seu encontro com a menina de doze anos morta na sequência de uma doença. Em torno do texto, a criança pode construir a sua relação de modo integrado.

Este contacto com a criança deve ser feito preferencialmente sentando-a ao seu lado, tomando-a nos braços e explicando-lhe com palavras simples tais como: "Aconteceu uma coisa muito, muito triste. O papá adoeceu com uma doença grave que nem toda a gente tem e morreu. A culpa da morte não é dele, não é tua. Vamos sentir muito a falta dele porque gostávamos muito dele e ele amava-nos muito". É necessário explicar à criança que a consequência do adoecer nem sempre é a morte.

 

Devem as crianças assistir ao funeral?

Muitos perguntam se as crianças devem assistir a um funeral. Deve ter-se em conta os sentimentos das crianças. Se não quiserem ir, não devemos forçá-las nem fazê-las sentir-se culpadas por não quererem ir. Se quiserem ir, devemos apoiá-las, dar-lhes uma descrição detalhada, através de palavras simples, do que irá ter lugar e até do facto de haver um caixão que pode estar aberto ou fechado. Explique-lhe também que verá muitas pessoas a chorar porque estão tristes. Mais uma vez, responda às suas perguntas e assegure-lhe de que pode não assistir, se quiser. Mas se ela decidir ir, ajude-a, entre outras coisas, a compreender que existem algumas noções de higiene que devem ser respeitadas. Na cultura portuguesa, o beijo ao morto constitui um dos hábitos mais insalubres que podem ter lugar. Assim se transmitem muitas doenças e se prejudica a saúde. Por isso, ajude-a a construir uma relação mais saudável, estando perto dela para evitar qualquer perda de controlo (como querer atirar-se para o morto ou mesmo para o buraco onde o caixão irá ser colocado). Motive-a a não dar beijos indiscriminadamente, salvaguardando assim a transmissão microbiana provocada pelo ato, mesmo se praticado só por uma pessoa no funeral.

 

Como não falar da morte às crianças

Não utilize certos termos quando falar com as crianças, pois pode confundi-las. As crianças tendem a perceber as coisas muito "à letra":

 - As crianças sentirão medo de dormir e da hora de deitar se lhes disser "está a dormir" e não compreenderem que depois "voltarão a acordar", como aconteceu com a menina acima referida;

- As crianças sentirão a angústia da separação se lhes disserem "foi-se embora" ou "foi fazer uma longa viagem";

- As crianças sentirão medo ou odiarão Deus se lhes disser: "Deus quis a avó perto d’Ele".

 

Como ajudar a criança a lidar com a perda

As crianças nem sempre mostram que estão deprimidas. Como já referimos, sintomas como a alteração no seu comportamento habitual e nas suas interacções diárias são sinais de que a criança está triste. Há muitas maneiras de ajudar a criança em sofrimento. Citaremos apenas algumas:

- Desenvolva e mantenha um diálogo aberto com a criança;

- Encoraje a criança a expressar os seus sentimentos;

- Assegure com convicção à criança que terá sempre alguém a cuidar dela e a amá-la;

- Recorra a aconselhamento psicológico se achar que a criança em sofrimento se encontra em risco.

Sérias consequências podem advir se se ignorar esta situação. As crianças que não tiverem, na altura certa, adultos que lhes transmitam convenientemente o que está a acontecer, que lhes dêem apoio para resolver o seu luto e a deixem exteriorizar os seus sentimentos, poderão vir a ser adolescentes e adultos com muitas dificuldades.

A família, os amigos, grupos religiosos, grupos de interajuda e aconselhamento psicológico poderão ser o suporte necessário para o desenvolvimento de futuros adultos mais estáveis emocional e psicologicamente. Por isso, convidamo-lo a entrar nesta rede de pessoas adultas que decidiram "pegar numa criança com o coração para aliviar as suas tristezas". Verá que vale a pena!


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