A inflamação é um exemplo disso mesmo. Enquanto mecanismo de resposta do sistema imunitário perante uma lesão ou infeção, permite reparar os tecidos danificados e controlar uma potencial infeção destruindo os agentes patogénicos que se encontrem no local.
Trata-se de um processo sem o qual não sobreviveríamos. No entanto, o cancro aproveita-se das várias substâncias químicas produzidas durante o processo e deleita-se com o banquete de moléculas que lhe permitem progredir e desenvolver-se.
A inflamação crónica é por isso um requisito do qual dependem as células de cancro para proliferarem.
Um outro mecanismo é igualmente aproveitado por estas oportunistas células. Trata-se da ação de uma enzima, a telomerase, a qual tem como função manter a integridade das extremidades dos cromossomas, conhecidas comotelómeros. Estas estruturas são constituídas por fileiras repetitivas de ADN não codificante. Cada vez que a célula se divide os telómeros são encurtados.
Quando atingem um tamanho mínimo crítico a célula perde a sua capacidade de divisão. Os telómeros funcionam como um protetor para os cromossomas assegurando que a informação genética seja copiada com perfeição quando a célula se duplica.
O ciclo de vida de uma célula é assim determinado
pelo comprimento dos telómeros e o seu progressivo encurtamento em cada divisão
celular. A presença da telomerase garante que a célula mantenha a sua
capacidade de divisão indefinidamente e as células de cancro exploram esse
mecanismo para obterem assim a sua característica imortalidade. Enquanto na
maior parte das células somáticas a enzima não se encontra ativa, em cerca de
90% de todos os cancros a telomerase encontra-se ativa. Uma vez que estas
células dependem da enzima para sobreviverem, podemos dizer que são “viciadas
em telomerase“.
O que ainda não era conhecido era a relação entre a expressão da telomerase, característica das células de cancro, e a ativação de mecanismos inflamatórios.
Um estudo recente pela primeira vez deteta haver uma interação entre esta enzima e processos inflamatórios através da ação reguladora do fator de transcrição NF-kB. O estudo revela que a telomerase regula diretamente a produção de moléculas inflamatórias que são expressas pelo NF-kB. Estas moléculas são críticas para a inflamação e a progressão do cancro.
Quando os investigadores inibiram a expressão de telomerase em células de cancro, descobriram que a expressão de IL-6, uma molécula inflamatória central para o desenvolvimento do cancro, era igualmente afetada. Esta descoberta vem não só confirmar a relação entre ainflamação e o cancro, como sugere uma via potencial de tratamento através da inibição da telomerase afetando assim simultaneamente a capacidade de as células de cancro se dividirem indefinidamente como a inflamação da qual igualmente dependem.
O que podemos
perceber no mecanismos do cancro é uma relação íntima entre a proteína NF-kB,
que regula os processos inflamatórios e a expressão da telomerase presente na
quase totalidade dos cancros.
A telomerase tem um papel central na imortalidade das
células e na carcinogénese. O facto de estar ativa nas células de cancro e
inativa nas células somáticas, representa uma promissora via de tratamento
através da sua inibição, uma vez que se consegue atingir as células de cancro e
não afetar as saudáveis. Vários estudos têm mostrado a capacidade de interferir
na expressão desta enzima através de substâncias químicas presentes
naturalmente em certos alimentos:
Genisteína (soja): A genisteína é uma isoflavona presente
nos feijões de soja. Além de várias propriedades quimiopreventivas, esta
substância parece ter a capacidade de inibir a expressão da telomerase através
da sua ação epigenética impedindo a transcrição de hTERT, uma unidade
estrutural da enzima. Este mecanismo poderá explicar a sua ação
antiproliferativa nas células de cancro, uma vez que a divisão celular deixa de
ser condicionada na presença de telomerase.
EGCG (chá verde): em laboratório, estudos mostram que as
catequinas presentes no chá verde induzem a apoptose das células de cancro e
inibem a expressão da telomerase. Um estudo sugere que as algumas chávenas de
chá verde são suficientes para a EGCG presente no chá inibir a telomerase.
Sulforafano (crucíferas): Além de muitas outras propriedades
anticancerígenas, o sulforafano, um fitoquímico presente nas crucíferas tais
como brócolos e couves, inibe a expressão da telomerase, impedindo a
transcrição da hTERT.
Glicose (açúcar): Além das células serem viciadas em telomerase, são igualmente dependentes de grandes quantidades de glicose. Vários estudos mostram que poderá haver uma relação entre o consumo excessivo de alimentos com um índice glicémico elevado e o risco de cancro.
Da mesma
forma, estudos recentes sugerem que parece existir uma relação entre níveis
elevados de glicose (açúcar) na dieta de ratos com cancro e uma expressão
superior do gene p53 mutante. Níveis elevados deste gene modificado em vários
tipos de tumores humanos tem sido relacionado com uma maior agressividade do
cancro, resistência à terapia, resultados piores e recidivas. Especificamente
em relação à atividade da telomerase, um estudo sugere que a restrição de
glicose poderá diminuir o risco de cancro. Os resultados mostraram que a
restrição aumentou a expressão do hTERT (ativado nos tumores) e diminui a
expressão do p16 (inibido nos tumores), prolongando assim a proliferação e
longevidade nas células saudáveis. Pelo contrário, nas células pré-cancerosas
houve uma diminuição na expressão do hTERT e um aumento na expressão do p16,
contribuindo assim para a sua morte por apoptose.
É de uma complexidade de mecanismos biológicos que se trata quando falamos de células de cancro. Cada vez mais percebemos como inúmeros fatores interagem entre si, numa macabra sinfonia de processos desviados, no sentido de concretizar os desejos de imortalidade e expansão destas células. São igualmente muitos os caminhos que devem ser explorados no sentido de combater a sua evolução. Os alimentos compostos que são de milhares de substâncias naturalmente presentes, fornecem valiosos instrumentos capazes de interferir com muitos desses caminhos. Neste caso, a inflamação e a ação da telomerase mostram ter uma cumplicidade íntima e indispensável para o progresso do cancro. Controlar esses mecanismos através da dieta parece ser uma forma eficaz de prevenção ou mesmo de tratamento complementar do cancro.
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